Autor: Ignacio Aguaded Tradução: Vanessa Matos No mundo das publicações científicas, como em todas as áreas da vida, há debates mais ou menos permanentes que, em muitos casos, surgem e respondem a discussões estéreis e desfocadas. Uma delas, sem dúvida, é a polêmica em torno do pagamento ou não para publicar. Muitas revistas científicas, principalmente […]

Autor: Ignacio Aguaded

Tradução: Vanessa Matos

No mundo das publicações científicas, como em todas as áreas da vida, há debates mais ou menos permanentes que, em muitos casos, surgem e respondem a discussões estéreis e desfocadas. Uma delas, sem dúvida, é a polêmica em torno do pagamento ou não para publicar. Muitas revistas científicas, principalmente aquelas com melhor posição no JCR e Scopus, exigem um APC (taxa de publicação), uma vez que o trabalho é aceito (e, às vezes, essa taxa implica em custos altos).

O debate é, sem dúvida, em muitos casos, mal enfocado. A primeira premissa que deve ficar clara é a de que não cabe ao autor, a partir de recursos próprios, pagar taxas de publicação por uma atividade que é fruto de seu exercício profissional e que tem reflexo positivos para a empresa que o emprega (universidade, centro de pesquisa, instituição …). Os créditos que fazem referência à organização aparecem sempre junto da autoria, gerando receitas de reconhecimento e prestígio nacional e internacional.

Em segundo lugar, não faz sentido que o pesquisador dispenda recursos próprios porque as empresas privadas, que realizam trabalhos de edição como mais uma atividade comercial, cobram pelos serviços que prestam, confundindo a preparação prévia do autor do trabalho de pesquisa com a edição e sua divulgação, realizadas pelas revistas com suas equipes. Se todos os bens básicos têm um custo, obviamente este tipo de atividade editorial também tem um custo, com valores variáveis ​​dependendo do jogo do próprio mercado e do prestígio e indexação das revistas científicas.

Publish or perish

Confundir o movimento do “acesso aberto” com o pagamento para publicar é um erro grave, tão consagrado quanto artificial. A ciência aberta defende que as pesquisas, apoiadas com recursos públicos, também sejam, em sua fase final de publicação, acessíveis à comunidade científica, de forma que gerem visibilidade e revertam em interesse social. A garantia desta acessibilidade final também está ligada ao apoio financeiro. Se publicarmos em revistas apoiadas com fundos públicos ou entidades sem fins lucrativos, os processos de edição serão gratuitos para os autores e não terão taxas para os leitores, desde que o financiamento prévio logicamente o satisfaça. Por outro lado, no caso das editoras privadas, observa-se um movimento de transferência de custos para o leitor (via assinaturas ou compras diretas) para o pagamento do autor (APCs), como forma de financiamento às editoras, ou mesmo com fórmulas mistas.

A ciência aberta defende que todos os trabalhos financiados com recursos públicos sejam abertos. Para isso, é necessário melhorar a qualidade e o prestígio do tecido editorial público, mantendo com estes recursos exclusivamente publicações de elevada qualidade e rigor científico. Entretanto, é também necessário estabelecer medidas regulares de apoio aos investigadores para que possam “emplacar” seus trabalhos em revistas privadas de prestígio com fundos públicos, para garantir este duplo princípio – que não é incompatível: a melhor e a mais elevada difusão de investigação de qualidade e publicação em revistas de máximo prestígio, visibilidade e impacto, mesmo que sejam de entidades comerciais.

A ciência aberta é o modelo e a aspiração de todos, pois, como bem básico que garante o desenvolvimento dos povos, não pode estar sujeita às dinâmicas do mercado. Para isso, os pesquisadores devem ter recursos de pesquisa dignos e, consequentemente, suporte para promover, além da pesquisa em si, também sua divulgação e visibilidade. Pesquisar e editar tem um custo alto e é evidente que em nenhum caso estes recursos devem ser provenientes do bolso do pesquisador (pois faz parte do seu trabalho).

Desta forma, o debate sobre pagar ou não pagar para publicar torna-se estéril e parcial. O pano de fundo não é apenas a fase final da edição, mas todo o suporte global que a pesquisa deve ter desde o seu início, até sua divulgação pela comunidade científica.

O tecido editorial para a ciência é aquele que deve ser questionado e repensado. Por quais razões os serviços públicos de publicação não têm sido capazes de absorver e editar os melhores artigos de resultados de pesquisa, ciência de qualidade, com os recursos de todos? Este é o dilema que devemos nos colocar: por que organizações como o MEC no Brasil, a FECYT na Espanha, e similares em outros países, não promovem e financiam revistas de comprovada qualidade e indexação de excelência, editadas por sociedades sem fins lucrativos e universidades públicas / privadas, para promover a verdadeira ciência aberta?

Focalizar apenas a questão acerca do pagamento ou não para publicar é promover um debate míope em um universo muito amplo (mas que nem por isso deve deixar de ser feito).

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